O economista que antecipou a implosão das bolsas diz que ela ainda vai longe. E garante: era 100% previsível
O economista Nouriel Roubini, um turco-italiano radicado nos Estados Unidos, não é o tipo de pessoa que você espera encontrar à beira de um lago contemplando o balé de lindos cisnes. Considerado uma das cassandras mais eloquentes e certeiras da atualidade, o inquieto professor da Universidade de Nova York é aquele inconveniente que, em setembro de 2006, desafiou o otimismo geral e antecipou o estouro da bolha imobiliária americana e seus efeitos devastadores sobre os bancos e a economia global.
Fez isso dois anos antes de qualquer outro analista, o que certamente rendeu muitos contratos para sua empresa de consultoria, a Roubini Global Economics. Pois não é que Roubini, hoje mergulhado nos números da grave crise da União Europeia, acabou encontrando cisnes brancos?
Em seu novo livro, A Economia das Crises, lançado no Brasil pela editora Intrínseca na sexta-feira 28, Roubini desmistifica a fama de vidente. A crise de 2008, que agora se estende para países como Grécia, Portugal, Espanha, Itália, Irlanda e Reino Unido, era totalmente previsível, argumenta. Aliás, como todas as outras grandes débâcles econômico-financeiras que envolveram países menos desenvolvidos e industrializados desde sempre.
Crises não são eventos inusitados e transformadores que não aparecem no radar, como definiu Nassim Nicholas Taleb no best-seller O Cisne Negro (leia quadro abaixo). São cisnes brancos, insiste Roubini. "As crises não são eventos aleatórios. São previsíveis", afirmou o economista à DINHEIRO na segunda-feira 24, antes de embarcar de Nova York, onde vive, para a Romênia. "Os sinais da crise sempre aparecem antes e são fáceis de identificar", afirma (leia entrevista exclusiva abaixo). E que sinais são esses?
A maioria das crises começa com uma bolha, na qual o preço de um ativo ultrapassa seu valor real. As bolhas estão associadas a um aumento excessivo do crédito. Este pode ser consequência de uma política monetária frouxa ou da supervisão ou regulação negligente do sistema financeiro. Qualquer semelhança com a valorização excessiva dos imóveis e da crise subsequente nos Estados Unidos e na Europa não é mera coincidência.
No livro, escrito em parceria com o historiador Stephen Mihn, Roubini dá crédito aos outros economistas que enxergaram os sinais preocupantes da bolha imobiliária americana, da atuação leniente do Federal Reserve, o banco central dos EUA, dos riscos sistêmicos das bolhas e dos derivativos financeiros.
Gente como Robert Shiller, Raghuram Rajan, Kenneth Rogoff e o próprio Taleb, entre outros, fizeram vários alertas preocupantes. Roubini apenas ligou os pontos para enxergar seu novo cisne branco, a mesma criatura metódica que apareceu na Europa dos últimos três séculos e, nas décadas de 80 e 90, na América Latina e na Ásia. E agora, o que ele vê?
Dá para imaginar. O tamanho da crise pode aumentar, pois é grande o risco de solvência soberana e privada em países importantes. Não se assuste se o cheiro de calote, tão temido por bancos e investidores, aumentar. Pode haver uma ruptura da União Monetária Europeia, escreve Roubini. "As coisas na Europa vão piorar", diz.
As águas continuam turbulentas do outro lado do Atlântico. Na terça-feira 27, a Itália entrou no grupo dos países que anunciou cortes expressivos de gastos (E 24 bilhões) para resgatar a confiança dos mercados. Foi precedida por Grã-Bretanha, Espanha, Portugal, Grécia, França e Alemanha, numa tesoura monumental de despesas orçamentárias que já soma E 220 bilhões - um terço do orçamento público brasileiro em 2010. Não se trata apenas de colocar o pé no freio para ajustar as contas públicas.
O ministro de assuntos econômicos da União Europeia, Olli Rehn, já fala em uma "década perdida" na região se não forem feitas algumas reformas estruturais que aumentem o crescimento e a competitividade, como a desoneração do trabalho. Para Roubini, pode ocorrer o pior: uma recessão global. Nem a China escaparia de uma crise bancária. "Todos esses cenários podem levar a um retrocesso na globalização", prevê. Tomara que, desta vez, ele esteja errado.
Entrevista: "O problema privado virou risco público"
Socialização dos prejuízos em 2008 agravou o risco de solvência de países endividados, diz Nouriel Roubini, em entrevista exclusiva:
DINHEIRO - Por que as crises são como cisnes brancos?
ROUBINI - Antigamente, todos pensavam que só existiam cisnes brancos. Até que um cisne negro foi encontrado na Austrália. As crises não são um evento aleatório, são previsíveis. São resultado de uma sequência de acontecimentos causados por vulnerabilidades macroeconômicas e financeiras. Seguem padrões de comportamento históricos.
DINHEIRO - Quais padrões?
ROUBINI - Elas começam com excesso de investimentos em algum setor. Há alavancagem de dívida privada e/ou pública, expansões excessivas de crédito, política monetária frouxa, pouca supervisão e regulação financeira. As bolhas de ativos crescem, explodem e causam um crash.
DINHEIRO - A crise na Europa é nova ou ainda estamos vivendo a de 2008?
ROUBINI - E o estágio seguinte da mesma crise. Os governos adotaram medidas anticíclicas de estímulo para evitar que a recessão se transformasse em depressão. Decidiram socializar as perdas privadas colocando-as nos balanços dos governos. O problema privado virou risco de solvência do setor público.
DINHEIRO - A situação da Grécia irá piorar? Pode se espalhar?
ROUBINI - As coisas na Europa irão piorar. O pacote de US$ 1 trilhão foi anunciado, mas a reação positiva do mercado durou apenas um ou dois dias. As condições financeiras estão ficando apertadas. O pacote não é suficiente, pois não resolve os problemas fundamentais. Há excesso de dívida pública, excesso de dívida privada, muitos déficits orçamentários, perda de competitividade, grandes déficits em conta-corrente, falta de crescimento, risco de uma recessão em duplo mergulho na zona do euro. Só o dinheiro não resolve. Pode ajudar na liquidez, mas não soluciona problemas de solvência. O risco que a Europa enfrenta é uma eventual insolvência de Portugal, Espanha e assim por diante.
DINHEIRO - A renegociação da dívida pública da Grécia é inevitável?
ROUBINI - Em alguns países, isso será inevitável. É o caso da Grécia. É possível fazer isso de uma maneira ordenada e evitar crises como a da Rússia, da Argentina e do Equador, que tiveram calotes e grandes descontos. Deve-se fazer como no Uruguai, no Paquistão, na Ucrânia e na República Dominicana, em que houve uma reestruturação de dívida baseada no alongamento dos prazos e redução das taxas de juros para níveis abaixo de mercado, mantendo-se o valor de face. Se fizerem isso, será uma reestruturação amigável com o mercado. Senão, será um calote feio.
DINHEIRO - O bom momento da economia brasileira pode ser afetado se a situação na Europa piorar?
ROUBINI - Todo mundo será afetado. Os preços das commodities estão caindo, a aversão ao risco está aumentando, os mercados de ações e de crédito estão passando por correções. Os mercados emergentes não terão recessão, mas sofrerão impacto negativo. Os países com boas políticas monetárias e fiscais e com um sistema financeiro sólido irão se sair melhor da crise e o Brasil é um deles.
Fonte: Isto É Dinheiro
31 de maio de 2010
O tamanho da crise segundo Roubini
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário