17 de julho de 2010

Retrato de uma privatização brasileira

Tentativa da Vale de precarizar relações trabalhistas levou canadenses a greve de um ano



A volta ao trabalho dos cerca de três mil mineiros da Vale/Inco, nas cidades de Sudbury e Porto Colborne, no Canadá, após o fim da greve que começou em julho de 2009, remete a um período no Brasil do qual algumas correntes políticas buscam se distanciar.


A venda do patrimônio público durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) deixou marcas que muitos prefeririam apagar – especialmente às vésperas das eleições – e a venda da Companhia Vale do Rio Doce é um dos pontos cruciais desse momento histórico.
Fundada em 1942 durante o governo Getúlio Vargas, a Vale foi vendida em uma transação polêmica no ano de 1997. Com valor financiado pelo BNDES, a estatal foi negociada por R$ 3 bilhões, apesar do patrimônio líquido ser de R$ 10 bilhões. Um ano depois, a empresa já anunciava lucro de aproxidamente R$ 1 bilhão e em 1999, de R$ 1,2 bilhão. A subvalorização na venda fez com que o negócio fosse alvo de mais de 100 ações populares que ainda tramitam em todo o país.



Atualmente, trata-se da maior empresa privada do Brasil. Desde 2006, quando adquiriu a canadense Inco, tornou-se também a segunda maior mineradora do mundo.

O problema da privatização, porém, não se restringe à entrega de um patrimônio nacional estratégico, mas também ao novo modelo de gestão que foi adotado. No final de 2008, durante o auge da crise financeira, enquanto anunciava lucro de mais de R$ 15 bilhões e distribuia R$ 5 bilhões aos acionistas em dividendos, a Vale demitia cerca de 1,3 mil trabalhadores, sem contar os empregos indiretos, e pressionava entidades sindicais a aceitarem redução de salários e de direitos.


A atitude oportunista fez com que a CUT realizasse atos em todo o Brasil, inclusive cobrando do governo a exigência de contrapartidas sociais com a manutenção do emprego para quem financiamento público.



Estilo predatório – A mesma lógica o grupo tentou adotar no Canadá, uma ação desastrosa que resultou no início da greve, conforme conta Carolyn Kazdin, do United Steelworkers (USW), sindicato que representa os mineiros canadenses. “A Vale contratou 'fura-greves' e pessoas para espionar os sindicalistas e provocar os manifestantes, além de demitir companheiros que cruzaram os braços. Tínhamos divergências com a Inco, mas acima de tudo havia uma relação de respeito, diálogo. Nunca vimos tamanha arrogância da direção de uma empresa”, conta.



Segundo ela, a estratégia da companhia de atacar a organização e buscar romper o diálogo com os trabalhadores em Sudbury e Porto Colborne, cidades cuja economia gira em torno da exploração do minério, gerou um clima de grande tristeza e revolta conta a multinacional.


Entre as medidas impostas pela Vale/Inco estavam ataques a conquistas de décadas como a participação no lucro atrelada ao preço mundial do níquel – quanto maior o valor do minério na Bolsa, mais os trabalhadores ganhariam – e um Plano de Pensão com Benefício Definido, modelo no qual o funcionário sabe o valor que receberá quando se aposentar.


Na queda de braço, os trabalhadores conquistaram o aumento da hora trabalhada e a manutenção do Plano de Pensão de Benefício Definido. Os novos contratados, porém, terão um Plano de Previdência de Contribuição Definida - em que se sabe o valor da contribuição, mas não quanto será pago no futuro. O bônus passa a ser composto por 25% da performance da Vale no mundo e 75% do resultado do negócio de níquel, com teto de 25% da remuneração anual do trabalhador.



Outro avanço importante foi o combate à terceirização. Após o término do contrato dos trabalhadores terceirizados, as atividades de mineração deverão ser realizadas por empregados contratados diretamente pela Vale. O sindicato ainda exige a reintegração dos companheiros demitidos arbitrariamente.


Solidariedade internacional

Para Carolyn, muito mais do que as conquistas econômicas, a formação de uma rede de solidariedade internacional foi o aspecto mais importante da luta durante esses 12 meses. “Queremos agradecer à CUT e aos companheiros do Brasil pelo apoio fundamental à nossa causa. Com as expressões de solidariedade internacional, os trabalhadores entraram com força total no mundo globalizado”, brinca.


A Central atuou como uma grande parceira nesse embate, recebendo trabalhadores canadenses e promovendo atos diante da sede da Vale no Rio de Janeiro e visitas às plantas da mineradora em Sergipe e Minas Gerais. Em setembro de 2009, o presidente da CUT, Artur Henrique, esteve em Sudbury para participar de uma grande mobilização pelas ruas da cidade.


Artur destaca que nessas eleições os trabalhadores não se esquecerão de quem entregou boa parte das empresas nacionais ao capital estrangeiro. “Tem gente tentando mudar o nome para disfarçar, mas concessão no bico de tucano, é o mesmo que privatização. Vamos às urnas afirmar que o modelo de desenvolvimento que desejamos é aquele em que o Estado atua como indutor do desenvolvimento, e não o da entrega de companhias como a Petrobrás, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil”, ressaltou.
Fonte: CUT

Sobre o Blogueiro:
Rogério Ubine é carteiro na cidade de Ribeirão Preto, Diretor Nacional da FENTECT e Vice Presidente do Comitê Postal da UNI-AMÉRICAS

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