Reestruturação produtiva?
Desde o inicio dos anos 90 a ECT, motivada pelo movimento empresarial na busca da produtividade como forma de lucratividade e desempenho operacional, começou o que chamamos de reestruturação produtiva, focada no aumento da produtividade de seus trabalhadores.
Este processo passou pela chamada, reforma administrativa do governo Collor, que colocou na rua milhares de trabalhadores, reestruturando principalmente a parte administrativa da ECT. Causando grande perda às famílias que foram desestruturadas pela demissão, colocando um novo paradigma para os que ficaram: trabalhar mais com menos pessoas.
Ainda no início da década de 90, nas reformas, o setor de distribuição postal sofreu grandes mudanças. Para entendermos isto, temos que entender como eram realizados os serviços de correios.
Um breve histórico
Os carteiros entravam nos correios na parte da manhã, ainda de madrugada. Onde recebiam as cartas separadas para os seus distritos pelo que se chamava “Manipulador”1, que separa as correspondências por logradouros para que sejam entregues. Neste processo os carteiros separavam apenas suas correspondências por rua e número, também em lista separadas quando objetos especiais que exigem assinatura do recebedor. Após este processo cada carteiro separava o que chamamos de depósito auxiliar, que são lugares seguros, na maioria das vezes em estabelecimentos comerciais, instalado na rota do carteiro, onde o mesmo dividirá o peso em pacotes de aproximadamente 14 kilos.
O carteiro naquela época saia para as atividades externas, no mais tardar, 08 horas da manhã, desenvolvia seu percurso na rua e quando acabava retornava a seu posto de trabalho CDD (CENTRO DE DISTRIBUIÇÃO DOMICILIAR) ou unidade para acertos de objetos entregues e não entregues. Apesar de no contrato de trabalho constar 44 horas semanais, o carteiro tem sua jornada por tarefa, ou seja, acabou o trabalho é dispensado. Como era beneficiado por isto, muitas vezes os carteiros deixavam de fazer o horário de almoço. Quando um carteiro faltava ou tirava férias, existia a figura do carteiro “volante”2, que o substituía.
Reengenharia da produção na distribuição, uma virada negativa na vida dos carteiro
Ao observar isto, os responsáveis pela definição da forma de produção começaram a imaginar em que poderia ganhar na busca da melhor produtividade. A partir daí tomaram duas decisões que criaram o que para mim é a causa do excesso de afastamento do trabalho, doenças ocupacionais e atualmente o assédio moral.
No estudo de campo os engenheiros a maneira Taylorista3, iniciaram e medição do tempo de produção. Notaram que os carteiros retornavam do serviço antes de sua jornada de trabalho e que poderiam “aproveitar” melhor o tempo de trabalho desses. A partir desta análise tomaram duas decisões:
a)
ExExtinguir o cargo de manipulante e distribuir esta tarefa aos próprios carteiros, de forma que ocupasse melhor o tempo dos mesmos. Assim foi criada a segunda triagem para os carteiros, aumentando sobremaneira o tempo interno.
b) Acabaram com o efetivo reserva, criando um cálculo de coeficiente de sobra, que na verdade nunca houve. Institucionalizando as “dobras”4 nos CDDs e Unidades de distribuição.
Esta decisão criou um processo de acumulação e esgotamento dos trabalhadores a níveis absurdos. Como pode em um lugar de trabalho, quando falta alguém ou por férias os outros trabalhadores fazerem sua parte e a desse trabalhador que faltou?
Além desta situação de excesso de trabalho, ocorreu um fato que expôs os trabalhadores a uma piora nas condições de trabalho, o fato que antes os carteiros saiam para a rua por volta das 08 horas e neste novo modelo de trabalho, muitos saem para a rua às 13 horas, no pior sol do dia em grande parte do Brasil.
Com estes fatos, o índice de afastamento na ECT cresce sobremaneira. Em resposta a empresa opta por endurecer a vida dos trabalhadores afastados, forçando o não afastamento com duas mudanças cruéis:
1- A decisão de mudança no cálculo do BAD(benefício de auxilio doença) no Plano Postalprev , que passou a não garantir mais o beneficio mínimo de 20% do salário que era garantido no plano BD(saldado) .
2- O corte nos tíquetes no afastamento, garantindo os tíquetes alimentação apenas nos primeiros 90 dias de afastamento.
Para se ter uma idéia do que representa isto, o piso dos Correios é de 806,00 (oitocentos e seis reais), e o tíquete é de R$ 650,00. Ou seja, são cortados 45% dos ganhos do trabalhador. Quem em sã consciência quer se afastar para perder 45% dos seus rendimentos. O resultado é o seguinte na cabeça do trabalhador: Tenho que segurar até onde consigo e só ai me afasto, porque sei que vou passar necessidades.
Assédio moral institucionalizado
Agravado a isto entra o assédio moral - realizado de cima para baixo, de um lado para o outro. Este assédio é feito em todos os locais de trabalho contra todos os trabalhadores e, por incrível que pareça, até contra o dirigente sindical, e, por mais louco que pareça, contra o próprio chefe local de trabalho!
Vamos explicar:
Com a adoção do novo sistema de trabalho que consiste em não considerar apenas o “distrito”5 de trabalho como objetivo do trabalho a ser realizado pelo carteiro, mas sim o conjunto do trabalho dos CDD’s ou Unidades de trabalho como objeto do trabalho a ser realizado por todos, de forma a cumprir as metas de entregas. Criaram-se as condições ideais para o chamado assédio moral institucional.
O controle de presença passa a ser feito não apenas pela empresa, mas também pelos próprios trabalhadores, de forma explícita, acintosa e sem qualquer tipo de preocupação social. Este controle passa a ser assim não para garantir a melhor produção possível, mas sim para garantir que todos estejam em suas posições de trabalho, para que o serviço não sofra um acrescimento, ou seja, DOBRA. A dobra causa mais cansaço físico e psicológico do que o habitual, pois, caso haja alguma falta o serviço é repartido por todos.
Então todas as formas de absenteísmo6 passam a ser combatida dentro dos setores operacionais, não se importando se é por motivo de doença, gravidez, liberação sindical, etc. Somente se tolera as férias, porque se assim não o fosse, todos sofreriam.
Companheiras que tem filhos pequenos sofrem, e muito, porque o Acordo Coletivo de Trabalho7 prevê liberações para levar o filho ao médico. Companheiros doentes - com doenças crônicas (principalmente hérnia de disco) - sofrem e muito, porque em nossa profissão há um grande índice de acometimento por hérnia de disco. Esta doença quando ataca debilita na maioria das vezes as pernas sobremaneira. Muitos companheiros aborrecidos pelo motivo do trabalho em dobro criam um ambiente totalmente desfavorável às pessoas doentes. Esta somente se afasta quando não agüenta mesmo.
Neste quadro, como disse, o dirigente sindical que é liberado para atividades sindicais sofre, pois sua falta é questionada de forma acintosa, como se a mesma não fosse uma garantia constitucional e consagrada em Acordo Coletivo.
Em última instância, por incrível que pareça, até os chefes nos CDD’s e unidades hoje em dia sofrem, pois muitos trabalhadores começam a julgar outros trabalhadores e a cobrar que o chefe tome uma posição, que no entender daqueles trabalhadores, o trabalhador está com malandragem. E tomar decisão é DEMITIR. Quando por motivos óbvios o chefe não toma tal decisão, os trabalhadores começam a dizer que o chefe é frouxo e que por isto o correio está assim.
É obvio que estamos falando de uma massa de trabalhador pouco numerosa nos CDDs, por volta de 10% a 15% do efetivo, mas que cria um assédio insuportável. Esta situação não ocorre em um lugar ou outro, mas sim, na maioria das unidades de Correios Brasil afora.
Estes trabalhadores estão apenas reproduzindo o SITESMA, ele foi criado para garantir a melhor produtividade em um ambiente desumano. Para a empresa pouco importa o número de trabalhador doente nos locais de trabalho. Pouco importa se estes estão afastados, aleijados, inválidos ou se estão cobertos dignamente no seu momento de inatividade.
No último ano a empresa lançou uma campanha contra o absenteísmo cujo tema era: QUE BOM QUE VOCÊ VEIO. Sem comentários!
Enquanto houver sangue, poderá dar o seu. Os que assediam hoje serão os assediados de amanhã. E assim o sistema se retroalimente.
O fato é que as decisões tomadas na reestruturação da ECT na década de 90 criaram uma máquina de triturar e humilhar pessoas nos locais de trabalho.
Segundo Margarita Barreto, assédio moral é:
“Caracterizado pela degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, freqüentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o ’pacto da tolerância e do silêncio’ no coletivo, enquanto a vitima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, ’perdendo’ sua auto-estima”.
Em resumo: um ato isolado de humilhação não é assédio moral. Este pressupõe:
repetição sistemática
intencionalidade (forçar o outro a abrir mão do emprego)
direcionalidade (uma pessoa do grupo é escolhida como bode expiatório)
temporalidade (durante a jornada, por dias e meses)
degradação deliberada das condições de trabalho –
Tudo isto ocorre ao mesmo tempo, e nos tempos de hoje, sem precedentes. Como faltam milhares de trabalhadores nos setores de trabalho, há um ano a empresa “tenta” realizar concurso público, sem sucesso. Neste ano a previsão é contratar 9 mil trabalhadores, mas nossas estimativas é que faltam 30 mil trabalhadores na ECT.
Enquanto não modificarmos o processo de trabalho a situação continuará da mesma forma, e o SISTEMA de gestão de pessoas funcionando na verdade como Recursos Desumanos, humilhando e triturando trabalhadores.
Após esta análise, a pergunta que não cala: Tem solução a curto prazo? A minha resposta é que sim. Mas para muitas pessoas que fazem Correio a muito tempo, a solução é um dogma. Há ótimas idéias, técnicos preparados na AC e DR’s. Precisamos integrar pessoas e processo de forma que a ECT humanize suas relações. A fórmula aplicada hoje é um desastre. Temos de criar um diálogo aberto entre a ECT, entidades de classe, Governo, Ministério Público do Trabalho e clientes, que passe por definir:
1- Prazo de entrega;
2- Níveis de universalização dos serviços Postais;
3- Contratações;
4- Inovações Tecnológicas;
5- Método de trabalho e tamanho dos distritos (Negociado com os trabalhadores);
6- Cobertura digna dos trabalhadores inativos (acidente de trabalho, auxilio doença, invalidez);
7- Entrega pela manhã;
8- Programa de prevenção de doenças ocupacionais; e
9- Rodízio operacional nos CTECE’s.
Boas idéias não faltam. Falta e vontade política de ouvir as partes interessadas e agir. “Quem sabe faz a hora não espera acontecer”. Aos nossos novos gestores, bem como aos não tão novos assim, uma ECT moderna passa por este debate.
Rogério Ubine
1- 1-
Ma1-manipulante - Cargo extinto. Pessoa encarregada de triar objetos nos CDD(CENTRO DE DISTRIBUIÇÃO DOMICILIAR) para os carteiros.
2- 2- Carteiro volante - profissional carteiro alojado em lugar estratégico para cobrir eventuais faltas nos CDDs e unidades operacionais.
3- 3- Frederick Winslow Taylor (Filadélfia, 20 de Março de 1856 — Filadélfia, 21 de Março de 1915) mais conhecido por F. W. Taylor, foi um engenheiro mecânico estadunidense, inicialmente técnico em mecânica e operário, formou-se engenheiro mecânico estudando à noite. É considerado o "Pai da Administração Científica" por propor a utilização de métodos científicos cartesianos na administração de empresas. Seu foco era a eficiência e eficácia operacional na administração industrial.
4- 4-Dobras – ocorre quando um trabalhador falta e as ruas de sua rota , ou como chamamos distrito, são distribuídas para os trabalhadores presentes, de forma que toda ausência, seja suprida pelo conjunto dos presente.
5- Distrito - Rota definida por medição unilateral da empresa que define a quantidade de ruas e objetos a ser entregues por um carteiro
6- 5- Absenteísmo- O absenteísmo ou ausentismo é a frequência ou duração de tempo de trabalho perdido quando os empregados não vão ao trabalho. O absenteísmo constitui a soma dos períodos em que os funcionários se encontram ausentes do trabalho, seja ela por falta ou algum motivo de atraso.
7- 6- Acordo coletivo – Clausula 02 – assegura a ausência remunerada de 5 dias, o que equivale a 10 turnos por ano.
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