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Travestidas no discurso de defesa do interesse público, as transferências de parte das prestações para o sector privado, nas chamadas parcerias público-privadas e outras formas de sub-contratação privada, confguram a mão pesada que promove a lógica do mercado no seio dos serviços públicos. Um bom ponto de partida para refectirmos sobre os processos de privatização é tentar compreender quais os motivos que, até então, justifcaram a existência destas empresas públicas. No discurso pró-promoção indiscriminada de privatizações estão representados os interesses de grupos específcos em detrimento do bem-estar colectivo.
Na perspectiva de uma análise crítica sobre os processos de privatização podemos sugerir como um bom ponto de partida, uma breve refexão sobre a origem destas empresas na forma pública. Os manuais de economia costumam apresentar os principais argumentos desta discussão nos capítulos dedicados às “falhas de mercado”, situações em que o mercado não funciona em concorrência perfeita e, consequentemente, legitimam a interferência do Estado.
São quatro os argumentos invocados: (1) a existência de monopólios naturais: certas actividades económicas permitem economias de escala (custos marginais decrescentes) de tal ordem que uma só empresa pode dominar o mercado, benefciando de um enorme poder na fxação de preços e condições de provisão (ex. electricidade, água); (2) as externalidades: o sector privado pode ter incentivos reduzidos para investir em sectores que produzem bens essenciais para outras indústrias nacionais e para a coesão social e territorial (ex. Correios); (3) falha dos mercados de capitais: o sector privado pode recusar-se a investir em sectores considerados de alto risco ou com horizontes temporais muito alargados de retorno do investimento,
mas cruciais para o desenvolvimento (ex. indústria aeronáutica); (4) a provisão de serviços básicos: empresas do sector privado, guiadas pelo lucro, podem recusar (pelo preço ou pelo racionamento) a provisão de bens considerados essenciais
aos mais pobres ou àqueles que vivem em zonas remotas (ex. transportes colectivos, serviços postais).
Para além das já conhecidas falhas de mercado, incorporadas na teoria dominante com a resposta via regulação, é importante ter em mente que estas empresas públicas também desempenham um papel estratégico na economia, como por exemplo
nos sectores da energia (REN, EDP) e da comunicação (CTT). A condução e coordenação deste tipo de recurso, tão fundamentais para o bom funcionamento da economia, devem estar pouco ou nada expostas ao jogo do casino e às pressões dos interesses puramente privados e especulativos. Fundamentalmente porque são o alicerce do sector produtivo.
Para melhor perceber o actual processo de privatizações, vale a pena recuperar a expressão, referida pelo geógrafo David Harvey, «acumulação capitalista por expropriação», como o processo através do qual o Estado promove a abertura de novas fronteiras para a acumulação privada de capital à custa dos activos que eram de todos, com a contribuição do esforço fscal de todos. É neste sentido que em Portugal observamos, à imagem do resto da Europa, um processo em curso, já num estádio avançado, mas ainda com muitas possibilidades de se expandir.
Na base desta estratégia continuamos a constatar a delapidação dos serviços públicos e a promoção da mercantilização como valor fundamental, sempre sob o argumento do controlo orçamental. As fortes restrições fnanceiras impostas às diversas empresas e serviços públicos, bem como a desvalorização da função pública, pela redução salarial e pela não requalifcação,
são acompanhadas de uma constante campanha pela alienação dos cidadãos das decisões e do sentido de colectividade. No discurso corrente fca claro que cabe ao servidor público a mácula da inefciência, acomodação, preguiça, etc. Travestidas no discurso de defesa do interesse público, as transferências de parte das prestações para o sector privado, nas chamadas parcerias público-privadas e outras formas de sub-contratação privada, confguram a mão pesada que promove a lógica do mercado no seio dos serviços públicos. É importante deixar claro que o discurso pró-promoção indiscriminada de privatizações tem bases pouco sólidas e refecte os interesses de grupos específcos em detrimento do bem-estar colectivo. Desmontar esta lógica e lutar pela valorização da coisa pública é por isso fundamental no combate desta tendência. A reaproximação dos cidadãos às decisões, com a consciência de seus direitos e deveres, valoriza a democracia e a defesa do interesse público.
Artigo de Gustavo Toshiaki.
11 de maio de 2010
Privatizar recursos estratégicos
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